sábado, 7 de fevereiro de 2009

Carta

"Meu lindo, a gente nasceu no instante em que se conheceu.
A gente nasce de novo quando ama. O mundo se transfigura e nossos olhos são o próprio foco donde se origina a paisagem. O certo é que naquele dia, eu cheguei na hora exata em que o sol se cruzava nos céus com todos os astros favoráveis. Eu que reclamara tanto de desamor, não sabia que era a minha vez de ser ungida para o amor. A gente é tão ingênua diante desse amor que tem a capacidade de nos desnortear. Me coloco inteirinha em suas mãos. Se é ou não uma atitude perigosa, nem quero saber. Sim, porque o amor é tudo. Ou quase tudo. Diante dele a vida é um grande esterco. Quero mesmo me colocar nas mãos do amor, as tuas tão pequenas mãos ásperas. Quando eu me sentia solitária, eu me desesperava de solidão. Agora que reencontrei o amor, continuo me desesperando pelos cantos da casa, morta de solidão - porque você está longe...
...Não sei quanto vai durar. Mas te proponho: você topa fazer que dure? Tope o compromisso tão raro de amar e ser amado.
É como quando ao telefone a gente vai se despedir e nenhum dos dois quer ser o primeiro a desligar, e ficamos prolongando beijos, declarações, exclamações. Ou quando toca aquela melodia ridícula do telefone anunciando tua chamada a cobrar. Ela bota meu coração em reboliço, de repente, só porque anuncia a chegada da tua voz. Não se esqueça de me presentear com o som da sua voz para que eu não morra. É um pacto a dois para sobreviver. Você topa entregar-se para ficar totalmente em minhas mãos e me pegar totalmente em suas mãos? Tope por favor meu lindinho. Tope o amor, esse que nem a morte pode esperar...
...Pra você ter a dimensão do que digo, lembre-se que, durante a vida, já pensei seriamente em morrer por amor...
...Quero confiar de novo. Que sangrem as feridas e medos antigos de gata escaldada. Estou aqui, pronta pra te abrir a porta de casa e te apresentar as margaridas nos vasos. Vou te apresentar meus livros, meus planos, meus segredos. Quero ficar abraçada a você na cama e sondar cada pequena parte do seu corpo. Estou louca para ouvir teus sons. Fiquei horrorizada quando me dei conta que naquele dia me esqueci de encostar a cabeça no teu peito lindo para ouvir o teu coração, meu segundo coração. Quero ser também você, estar no seu corpo, ser tua carne, teus cheiros todos que são meus perfumes. Nosso encontro, como todo encontro de amor, é um mergulho num abismo escuro. O que temos de mais raro para trocar é o meu e o teu.
Topa o compromisso de amar e ser amado?"

(Trechos de "Cartas ao amor" de José Silvério Trevisan)

Nenhum comentário: